27 de out. de 2010

O Bom Soldado

 O Bom Soldado

Autor: Ford Madox Ford 

Editora: Alfaguara

Categoria: Literatura Estrangeira/Romance

Sinopse: Em O bom soldado, John e Florence Dowell são americanos bem-sucedidos que, em viagem pela Europa, tornam-se amigos íntimos de um casal inglês que à primeira vista parecem exemplares. Edward Ashburnham, ex-militar, é o perfeito cavalheiro britânico, e a elegante Leonora, uma esposa ideal. Mas, por baixo das aparências, ambos escondem um casamento repleto de infelicidade e traições.

Resenha: Acho que a coisa mais interessante nesse livro é como a história é contada, pois ela não segue uma ordem cronológica, e também, nos é permitido ver um mesmo acontecimento por vários pontos de vista.
     Devo admitir que o livro me deixou confusa em vários pontos e tive de rele-los novamente, pois o narrador, John Dowell, põe em duvida grandes partes da história, e nos deixa tirar nossas próprias conclusões.
     Um dos pontos fortes que merece destaque é como Modox Ford apresenta a parte sentimental das personagens. Há momentos em que de tão reais que eram os sentimentos de Leonora eu julgava ser ela.
     De forma geral, O Bom Soldado é um romance que deve ser lido, ou seja, é um livro excepcional.

 Nota: 3/5
 


Trecho: Esta é a história mais triste que já ouvi. Já conhecíamos os Ashburnham há nove temporadas da cidade de Nauheim com
uma extrema intimidade — ou melhor, com um relacionamento tão solto e fácil e ao mesmo tempo tão próximo quanto
o de uma boa luva com a mão. Minha esposa e eu conhecíamos o capitão e a sra. Ashburnham o melhor que se pode conhecer alguém e, no entanto, em certo sentido, não sabíamos nada sobre eles. Acredito que esse é um estado de coisas só possível com ingleses sobre os quais, ainda hoje, quando me ponho a matutar sobre o que sei dessa triste história, eu não
sabia absolutamente nada. Seis meses atrás, eu nunca havia estado na Inglaterra e, com toda a certeza, nunca havia sondado as profundezas de um coração inglês. Conhecia os rasos.
Não quero dizer que não conhecêssemos muitos ingleses. Vivendo, como forçosamente vivíamos, na Europa, e sendo, como forçosamente éramos, americanos desocupados, o que equivale a dizer que éramos não-americanos, nos vimos lançados à sociedade dos melhores ingleses. Paris, você sabe, era a nossa cidade. Algum lugar entre Nice e Bordighera nos provia anualmente de acomodações de inverno, e Nauheim sempre nos recebia de julho a setembro. Dessas declarações você pode concluir que um de nós dois tinha, como se diz, um “coração fraco” e, da declaração de que minha esposa morreu, que era ela a paciente.
O capitão Ashburnham também tinha o coração fraco. Mas enquanto o mês e pouco passado anualmente em Nauheim o afinava ao tom exato para o resto dos doze meses, os quase dois meses eram apenas o suficiente para manter a pobre Florence viva de um ano para outro. A razão para o coração fraco dele era, ao que tudo indica, o pólo, ou o excesso de esportes pesados na juventude. A razão para os anos comprometidos da pobre Florence era uma tormenta no mar em nossa primeira viagem à Europa, e as razões imediatas para nosso aprisionamento naquele continente foram ordens médicas. Eles disseram que mesmo a curta travessia do Canal poderia matar a coitadinha.
Quando nos conhecemos, o capitão Ashburnham, em licença de saúde de seu posto na Índia, ao qual nunca voltaria, tinha trinta e três anos; a sra. Ashburnham — Leonora —, trinta e um. Eu tinha trinta e seis e a pobre Florence, trinta. Assim, hoje Florence teria trinta e nove e o capitão Ashburnham, quarenta e dois; enquanto eu tenho quarenta e cinco e Leonora, quarenta. Você vai perceber, portanto, que nossa amizade foi uma questão do começo da meia-idade, uma vez que éramos
todos de temperamento bem tranqüilo, sendo os Ashburnham mais particularmente o que na Inglaterra é costume chamar de quite good people, “gente muito boa”.
Eram descendentes, como você provavelmente deve ter concluído, dos Ashburnham que acompanharam Charles I ao
patíbulo, mas, como você também deve ter concluído, em se tratando desse tipo de ingleses, isso era coisa que não se notava. A sra. Ashburnham era uma Powys; Florence era uma Hurlbird de Stamford, Connecticut, onde, como você sabe, são mais antiquados do que até mesmo os moradores de Cranford, Inglaterra, poderiam ser. Eu próprio sou um Dowell, da Filadélfia, Pensilvânia, onde, coisa que é historicamente verdadeira, existem mais famílias inglesas antigas do que se encontraria em seis condados ingleses juntos. De fato, trago comigo, como se fosse a única coisa a me dar uma âncora invisível a algum ponto do globo, a escritura de minha fazenda, que um dia cobriu diversos quarteirões entre as ruas Chestnut e Walnut. Essa escritura era em dinheiro wampum, concessão de um chefe indígena ao primeiro Dowell, que partiu de Farnham, em Surrey, na companhia de William Penn. O pessoal de Florence, como é tantas vezes o caso com moradores de Connecticut, vem das cercanias de Fordingbridge, onde fica a casa dos Ashburnham. É aqui que, neste momento, estou escrevendo.
Você pode perguntar por que escrevo. E no entanto minhas razões são muitas. Porque não é raro seres humanos que testemunharam o saque de uma cidade ou o desmoronar de um povo terem o desejo de registrar o que testemunharam
em prol de herdeiros desconhecidos ou de gerações infinitamente remotas; ou, se quiser, só para tirar a imagem da cabeça.
Alguém já disse que um rato morrer de câncer equivale a todo o saque de Roma pelos godos, e juro a você que o rompimento de nosso relacionamento a quatro foi um desses eventos impensáveis. Suponhamos que você tivesse nos visto sentados juntos a uma das mesinhas na frente do clube, digamos, em Homburg, tomando chá uma tarde e assistindo ao minigolfe; você diria que éramos um castelo excepcionalmente seguro. Éramos, se quiser, um daqueles altos navios com velas brancas sobre o mar azul, uma daquelas coisas que parece a mais orgulhosa e mais segura de todas as coisas belas e seguras que Deus permitiu que pensasse a mente do homem. Que melhor lugar para alguém se refugiar? Que melhor lugar?
Permanência? Estabilidade? Não posso acreditar que se acabaram. Não posso acreditar que aquela vida longa, tranqüila,
que era como dançar um minueto, desapareceu em quatro dias esmagadores ao fim de nove anos e seis semanas. Juro mesmo, nossa intimidade era como um minueto, simplesmente porque em toda ocasião possível e em todas as circunstâncias
possíveis sabíamos para onde ir, onde sentar, qual mesa devíamos escolher com unanimidade; e podíamos nos levantar e ir embora, os quatro juntos, sem nem um sinal de nenhum de nós, sempre ao som da música da orquestra Kur,* sempre ao sol temperado ou, se chovia, em abrigos discretos. Não mesmo, isso não pode ter acabado. Não se mata um minuet de la cour.** Pode-se silenciar a caixa de música, fechar a harpa; nos armários e guarda-roupas os ratos podem destruir as prendas de cetim branco. A multidão pode saquear Versalhes; o Trianon pode cair, mas sem dúvida o minueto, o minueto em si está se dançando por si só nas estrelas mais distantes, assim como o nosso minueto dos locais de banho de Hesse ainda deve estar se dançando. Não existe nenhum céu onde velhas danças bonitas, velhas intimidades bonitas se prolongam? Não existe nenhum Nirvana permeado pela tênue emoção de instrumentos que caíram em poeira de madeira roída por cupins, mas que ainda tivessem frágeis, trêmulas e eternas almas?
Não, por Deus, isso é falso! Não era um minueto em que entrávamos; era uma prisão, uma prisão cheia de gritos histéricos, de tal forma atados para que não pudessem superar o som das rodas de nossa carruagem quando passávamos pelas sombreadas avenidas da Taunus Wald.
E, no entanto, eu juro pelo sagrado nome de meu Criador que era verdade. Era verdadeira luz solar; verdadeira música; verdadeiro jorrar de fontes da boca de golfinhos de pedra. Pois se para mim nós éramos quatro pessoas com os mesmos gostos, com os mesmos desejos, representando, ou, não, não representando, sentadas aqui e ali unanimemente, isso não é a verdade? Se por nove anos possuí uma maçã boa que está podre por dentro e descubro sua podridão só quatro dias antes de completar nove anos e seis meses, não será verdadeiro dizer que por nove anos possuí uma maçã boa? Assim pode muito bem ser com Edward Ashburnham, com Leonora, sua mulher, e com a pobre e querida Florence. E, se você pensa bem na coisa, não é meio estranho que a podridão física de pelo menos duas colunas de nossa casa de quatro nunca se tenha apresentado a mim como uma ameaça à sua segurança? Não é assim que se apresenta para mim agora, embora os dois
estejam efetivamente mortos. Não sei...
Não sei nada, nada neste mundo, do coração dos homens. Só sei que estou sozinho, horrivelmente sozinho. Nenhuma
lareira jamais verá de novo, para mim, uma relação de amizade. Nenhuma sala de fumar jamais será outra coisa senão povoada por incalculáveis simulacros entre volutas de fumaça. Porém, em nome de Deus, o que sei eu se não souber
o que é a vida diante da lareira e na sala de fumar, uma vez que minha vida inteira passei nesses lugares? A lareira quentinha! Bem, havia Florence: acredito que pelos doze anos que durou sua vida depois da tormenta que parecia ter enfraquecido irremediavelmente seu coração, não acredito que ela tenha ficado um minuto longe de minhas vistas, a não ser quando estava bem acomodada na cama e eu tinha de ficar no andar de baixo, falando com uma pessoa ou outra em alguma sala de estar, ou de fumar, ou dando minha última tragada num charuto antes de ir para a cama. Eu não culpo Florence, você entende? Mas como ela podia saber o que sabia? Como ela chegou a saber daquilo? Saber tão bem. Nossa! Não parecia haver tempo para isso. Devia ser enquanto eu tomava meus banhos, e fazia minha ginástica sueca, fazia as unhas. Vivendo a vida que eu vivia, de enfermeiro empenhado, esforçado, tinha de fazer alguma coisa para me manter em forma. Deve ter sido nesses momentos! Porém nem mesmo isso pode ter dado tempo suficiente para as conversas tremendamente longas, cheias de sabedoria mundana que Leonora me relatou depois da morte deles. E é possível imaginar que, durante nossos passeios a conselho médico em Nauheim e pela vizinhança, ela tenha encontrado tempo de estabelecer as demoradas negociações que efetivamente estabeleceu com Edward Ashburnham e sua esposa? E não é incrível que durante todo esse tempo Edward e Leonora nunca tenham pronunciado uma palavra para o outro em particular? O que se pode pensar da humanidade?

Um comentário:

  1. sinceramente...
    estou tremendamente cativado com o trecho que acabas de expor do livro...

    é magico...
    realmente... esse eu vou ler aahh se vou *______*

    gostei bastante da review ha-chan^^... mas bem que podia ser um pouquinho maior^^... da mais detalhes sobre os pontos fracos/fortes do livro^^... mas ainda assim... amei... está de parabéns o/ vivaaaaa \o\...
    continue assim^^

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